Filipe Silva

Pegou na equipa, estava ela no campeonato de promoção. Fizeram uma época quase sem derrotas e subiram à liga allianz depois de baterem, já nas grandes penalidades, a equipa da Associação Desportiva Ovarense.



Como é que a equipa viveu esse jogo e essa subida à Liga Allianz?

Para responder a esta questão temos de enquadrar a situação do clube na época 2016/2017, mais concretamente em junho de 2016.

A União Recreativa de Cadima (URC) tinha descido de divisão em maio, perdeu muitas jogadoras e a maioria com qualidade acima da média, considerando a realidade onde a equipa está inserida e o contexto do futebol no distrito de Coimbra, para piorar a situação começou a existir o cenário do clube terminar e fechar as portas na modalidade futebol. A pré-época em agosto foi  sofrida, tínhamos apenas 9 ou 10 jogadoras nos treinos. No início de setembro passàmos a ter no máximo 13 e partimos para a primeira competição oficial com jogadoras que tinham efetuado apenas 2 treinos!!!!No fim da primeira semana de setembro tínhamos apenas 10 jogadoras confirmadas....

Portanto não se afigurava fácil a nossa época, ao ponto da direção pedir como único objetivo "Tentar vencer o campeonato e a taça distrital da Associação de Futebol de Coimbra (AFC)" onde competiam juntamente com Condeixa, Poiares e Lordemão.Com o decorrer da época, com a conquista de algumas vitórias, a união do grupo começou a cimentar, a vinda de 3 jogadoras no fim de 2016, acrescentou qualidade e estabilidade, mas, mesmo assim, era muito curto para tentar outras conquistas que não as da AFC. Com um grupo reduzido com 14 a 16 jogadoras em cada sessão de treino, e o facto de não existirem lesões fez com que a capacidade física e a qualidade individual de algumas jogadoras levassem a equipa a uma estabilidade emocional que se caracterizou por tentar conquistar sempre os 3 pontos em cada jogo.

A partir de fevereiro de 2017 o grupo fez um pacto, em que prometeu que iriam lutar por um lugar na segunda fase, e é este o verdadeiro momento que une e fortalece o grupo de uma forma quase imbatível e o faz acreditar que tudo era possível. Fizemos o nosso caminho jogo a jogo e chegamos à grande final com uma equipa muito boa e muito bem trabalhada pelo grande Cândido Costa. Um aparte muito pessoal, e esta nota digo-a porque talvez seja um treinador diferente pela forma como vejo o futebol e a vida, mas para mim, e considerando o campeonato realizado pelo Cadima e Ovarense, fiquei triste pela Ovarense não subir. Nós merecíamos subir, principalmente por todas as dificuldades ao longo da época e pela forma fantástica como as jogadoras do Cadima trabalharam durante 9 meses, mas a Ovarense também o merecia claramente. Recordo-me que para esse jogo tive o cuidado de escolher bem cada palavra nas publicações que colocámos no balneário. Lembro-me que tivemos também o cuidado de falar o mínimo possível em questões tácitas e optámos por puxar muito mais pelo sentimento do grupo, da amizade, da importância da união e dos familiares que ali iam estar.

A equipa estava muito nervosa, mas com a adrenalina no máximo e motivada. O aquecimento foi diferente para retirar a pressão que a maioria estava a sentir. O jogo foi bastante dividido com a Ovarense a circular melhor a bola, com mais posse, mas o Cadima com maior sentido de baliza, objetividade e verticalidade. Quase a terminar o jogo a bola bate no nosso poste esquerdo, percorre a linha de golo, passa junto ao poste direito e sai. Recordo-me de respirar fundo, virar-me para o banco e olhar para a bancada onde vi o meu filho João com as mãos na cabeça, pisquei o olho, sorri e pensei, já não perdemos. E foi com este pensamento que parti para os penaltis. Lembro-me de ver o Ricardo Freitas a suar, enquanto conversava e dava força à Telma. O Miguel Rodrigues estava tão compenetrado que não dizia nada. A nossa capitã Sónia sorria para mim e dizia-me pelo seu olhar, vai acontecer, mesmo com o inicio de época que tivemos. As mãos da Inês Santos pingavam, tinha tanta vontade de bater o penalti, mas o dobro em medo de falhar. Deixei a equipa escolher as jogadoras, elas falaram e fiz apenas um ajuste por questões emocionais. Disse-lhes que a responsabilidade era só minha, fosse qual fosse o desfecho era eu que assumia tudo. Não foi necessário porque marcámos 3 penaltis seguidos com muita calma, concentração e subimos.

Quais os objetivos que a equipa tecnica tem delineados para esta temporada?

O objetivo passa por conseguir a manutenção e, obviamente, fazer crescer algumas jogadoras que têm uma qualidade fantástica, mas ainda estão carenciadas do que é jogo, da capacidade física e de saberem quais os comportamentos a adotar em campo com e sem bola. Após o inicio da pré-época tivémos de reformular os objetivos porque a meio de setembro percebemos que não tínhamos local para treinar, o nosso campo não tem iluminação ainda e o Complexo de Cantanhede não nos forneceu campo para treinar. Conseguimos o Complexo de Ançã, ao qual agradecemos por toda a ajuda disponibilizada, mas só temos campo de 9. É fácil de compreender que uma equipa a treinar 3 vezes por semana nestas condições e jogar ao domingo num campo de 11 tem de possuir uma capacidade de adaptação muito forte.

Até onde pode chegar esta equipa do Cadima?

Na presente época estamos a lutar pela manutenção, e este é o nosso único objetivo e onde temos de chegar, porque o nosso processo de treino está a ser muito difícil. Julgo que somos a única equipa, na Liga Allianz, que treina num campo de futebol de 9 desde o início da pré-época e tem apenas 90 minutos para cada sessão!!! Como disse atrás o Complexo Desportivo de Ançã é a nossa casa durante a semana, em que apenas podemos utilizar o campo de 9. Para a maioria das pessoas este assunto parece banal, mas para quem treina sabe muito bem as dificuldades que esta situação acarreta. Outra questão tem a ver com a idade do plantel, quase metade das jogadoras são juniores e muito novas, a maioria tem menos de 21 anos. Portanto chegar ao objetivo será uma enorme vitória para esta equipa, a juntar à iluminação que termina em Maio, o trabalho a ser realizado na próxima época será muito melhor e com uma qualidade muito superior que, esta época foi impossível de alcançar.

O plantel recebeu esta época uma fornada de jovens muito talentosas.. Luana Marques, Nicole Nunes e Júlia Mateus, entre outras. O que vieram elas acrescentar a esta equipa?

Logo à partida irreverência, qualidade, intensidade, alegria e...... necessidade de adaptação à liga allianz. Que tem disso um processo bastante difícil e que está a ser gradual e lento devido às nossas limitações no imediato. Existem outras jogadoras com 17, 18 e 19 anos com qualidade que são muito úteis e importantes na nossa caminhada, mas lá está, tiveram de queimar etapas e passaram de juvenis a seniores numa época, o que as levou a disputar jogos com atletas bem mais velhas, muito mais experientes, onde os duelos ainda são muito desequilibrados, mas sabemos que a próxima época já terá contornos bem diferentes em todos os aspetos levando a um grande crescimento de todo o grupo, favorecendo obviamente as jogadoras com menos de 24/25 anos. Apesar da adaptação das meninas que vieram novas estar a ser gradual e positiva, só nesta segunda volta se começa a notar a sua qualidade.

Além das diferenças óbvias, qual a principal diferença entre treinar homens e mulheres? É um desafio constante, não é?

A grande diferença está na comunicação, porque a explicação dada e que é absorvida tem muita carência futebolística. Por vezes explicar algo simples com a linguagem do futebol atinge apenas 20% do grupo, a tal falta de formação nos escalões jovens leva a estas diferenças. Uma das principais dificuldades reside na mudança de mentalidade, nos rapazes fazer algo novo e diferente é facilmente absorvido e aceite, no feminino existem muitas perguntas de porquê, perguntas como "mas fazíamos sempre isto agora não porquê"?, situações que por vezes deixam o grupo distraído, disperso e é necessário voltar a concentrá-lo rapidamente. Mas é muito mais fácil extrair um sentimento de entrega, união e força às mulheres que aos homens. Existe também a necessidade de conhecer muito bem as reações em determinadas situações. Até porque, por vezes, e entre elas, confundem onde termina o processo amizade, diversão e inicia o processo treino, intensidade e competição. Em resumo, quem tiver sucesso a treinar equipas femininas durante algumas épocas terá claramente sucesso no masculino, o contrário já é bem mais difícil.

Como se define como treinador?

Sou um treinador muito perto das jogadoras, que me preocupo com a situação que vivem extrafutebol, família, amigos, escola, etc. Não sou capaz de saber que existe um problema com uma atleta e ir embora como se nada fosse. Tenho de falar e tentar ajudar.

Sou um treinador que adapto a equipa ao grupo que tenho e não às minhas ideias. Obrigo-me a tentar compreender como podemos tirar mais rendimento jogando de uma determinada forma, que até pode ir contra os meus princípios porque o importante é o bem-estar da equipa em campo e a rentabilidade. Não posso fazer algo só porque sou o treinador, porque quem joga são as jogadoras e elas é que têm de estar confortáveis para disputar cada jogo e ganhar todos os duelos.

Qual o momento de jogo que prepara mais?

Principalmente a organização defensiva e a transição ofensiva devido ao tempo disponível. Porque considero que conseguimos trabalhar e envolver todos os momentos do jogo.

Qual a tática que mais gosta?

Gosto do 1x3x4x3 e 1x3x5x2. Mas para o fazer é necessário ter jogadoras que interpretem o esquema tático. Uma coisa é esquematizar outra é colocá-lo em prática. E considerando que treinamos muito pouco, não chegamos a fazer 4 horas e meia de treino por semana, as opções têm de ser bem escolhidas para rentabilizar todo o grupo.

A pergunta da praxe e talvez uma das mais pertinentes...O que acha do atual estado do Futebol Feminino em Portugal?

Não obstante a evolução dos últimos anos e as conquistas das seleções, que refletem o fantástico trabalho da FPF, existe, ainda, uma mentalidade muito negativa em relação ao Futebol Feminino em Portugal, o que é preocupante e corta a evolução das jogadoras portuguesas. Os apoios dados são muito diferentes, não só na disponibilidade monetária e do material, mas também nos espaços atribuídos e horários disponibilizados. Acho inconcebível uma equipa feminina ter de treinar às 22h00 porque não tem espaço e, se quer treinar, terá de fazê-lo depois dos masculinos!!! Estas dificuldades, juntamente com a falta de equipas de formação e a não existência de um número aceitável de equipas abaixo das sub 15, provoca um atraso evolutivo no futebol feminino em Portugal. Reparo que existem equipas em Portugal, e nós somos um desse exemplo, que disputam a principal liga de futebol feminino com jogadoras que têm 15, 16 e 17 anos, situação que pode ser benéfica até determinado ponto. Ter uma jogadora que iniciou a atividade entre os 8 e os 10 anos, jogou com rapazes pode ser inserida nesta realidade competitiva, uma menina que começou a jogar com 15 ou 16 anos terá, em determinada altura do percurso, um momento muito difícil que, quase de certeza, será perigoso. Julgo que é urgente dotar os clubes com espaços adequados para formarem jogadoras o mais cedo possível. É extremamente importante criar equipas com jogadoras de 7 e 9 anos para melhorar a evolução do nosso futebol nos próximos 8 a 12 anos. 

Marta Faria, Raparigas da Bola

© 2016 Raparigas da Bola, Portugal

DESIGUALDADE DE GÉNERO NO DESPORTO É EXPOSTANuma semana marcada pelo Dia da Mulher e pelas maiores conquistas portuguesas de sempre no europeu de atletismo, as notícias que se seguiram a estes dias evidenciam a diferença de importância dada à mulher no desporto.

Em geral, é preciso uma mulher ganhar uma medalha para que ela tenha destaque e mesmo quando isso acontece, a visibilidade não é das maiores, como foi visto esta semana.

Ser uma mulher no desporto não é fácil. A falta de visibilidade, a falta de patrocínios e a falta de interesse geram um ciclo que torna complicada a formação de atletas mulheres de ponta.

O grupo Raparigas da Bola luta para quebrar este ciclo, dando voz e visibilidade a atletas femininas, de diferentes modalidades desportivas.

Percebendo-se que no Dia da Mulher há uma tendência para falar sobre mulheres, mas que logo no dia a seguir tudo volta à triste normalidade, o grupo resolveu intervir, usando os próprios jornais desportivos como ponto de partida.

A iniciativa intitulada #ElasTambémJogam, consistiu em transformar todas as notícias publicadas nestes jornais, no dia 9 de março, num gráfico dividido em duas cores: uma para os homens e outra para as mulheres.

Esses gráficos transformaram-se em verdadeiros jornais, mas sem nenhuma foto ou texto, só as cores que evidenciam a diferença de atenção dada às mulheres. Os jornais foram entregues a jornalistas, inluenciadores e atletas para que estes amplificassem o alcance desta ação, ainda no dia 09.

O desejo do grupo não é confrontar os jornais, pelo contrário, é fazer deste um momento de reflexão para que todos se possam unir e dar mais visibilidade às mulheres no desporto, já que elas acreditam que a partir daqui é possível começar a mudar este ciclo de desigualdade. «Mais visibilidade gera mais interesse do público, que desperta interesses de marcas, que gera investimentos e consequentemente volta a gerar visibilidade.» relata Marta Faria, fundadora do Raparigas da Bola.

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