Paula Pinho, treinadora do Clube Albergaria

Podemos dizer que tem dedicado uma grande parte da vida ao Futebol feminino. Fale-nos um pouco sobre esse percurso.

O meu percurso no futebol confunde-se com o percurso do Clube de Albergaria, uma vez que fui uma das que estive desde o primeiro dia de futebol neste Clube. Tinha então 16/17 anos quando o Clube de Albergaria iniciou prática desportiva federada no futebol. Começámos como todos os outros, ou quase todos, com um grupo de jogadoras sem qualquer experiência, a perder muitos (quase todos) os jogos, mas sempre com a tal dedicação, vontade e querer de continuar. Eramos a típica equipa "a começar" com tudo o que isso implica a todos os níveis... Fomos resistindo, fomos crescendo, fomo-nos aguentando ao longo dos anos sempre com a ideia de melhorar e criar uma equipa cada vez mais competitiva. Fui jogadora até aos 32 e imediatamente assumi o comando técnico da equipa. Tentei de certa forma iniciar um processo de reestruturação apostando desde logo num escalão de formação a nível distrital, também, para dar resposta à cada vez maior procura por parte de jogadoras, cada vez mais novas. Houve entretanto a subida de Divisão, onde nos temos conseguido manter até hoje. Portanto, eu e Clube de Albergaria, no futebol, temos o mesmo percurso.

Foi distinguida pela UEFA em 2017 e é considerada por muitos como uma das mais estudiosas e influentes personalidades do nosso futebol. O que lhe trouxe de diferente esta distinção? O que mudou na sua maneira de encarar o treino e o jogo?

O reconhecimento, por parte de entidades importantes que nos tutelam (Associação de Futebol de Aveiro, Federação Portuguesa de Futebol e UEFA) do trabalho desenvolvido no e pelo Clube de Albergaria em prol do Futebol. Nada mais. Talvez tenha a ver com a minha maneira de ser, mas nunca fui de dar muita importância a esse tipo de coisas, independentemente de onde venham, quer para o bom quer para o mau. Vale o que vale. Não mudou absolutamente em nada a maneira como estou, sinto e vivo o Futebol. Nem por um momento me senti "mais qualquer coisa" devido a tal distinção. Até porque acho que outras pessoas, entidades e clubes seriam, e são, legitimamente, merecedoras do mesmo.

Uma mulher a treinar/formar meninas e mulheres. Quais as dificuldades e quais as vantagens?

Não sei bem se o foco da pergunta é o facto de ser treinadora ou serem elas jogadoras...

Na perspetiva de ser mulher a treinar penso que a única diferença em relação a ser homem a treinar, terá a ver com o facto de eu há uns anos atrás ter sentido o mesmo tipo de dificuldades que elas eventualmente também agora sentiram por não haver oferta de prática desportiva pretendida. Metia-me muita confusão o facto de eles poderem jogar futebol onde e quando quisessem sem qualquer problema e elas (nós) não terem essa possibilidade. E o pior de tudo é que ninguém fazia nada para alterar isto! Digamos que estou sensibilizada para a causa! De resto não vejo outro tipo de diferenças sendo homem ou mulher a treinar.

O facto de serem meninas - no processo de treino e aprendizagem propriamente dito, parece-me que haverá a dificuldade acrescida de muitas delas, praticamente todas, terem a primeira experiência de prática (organizada) muito mais tarde que eles, o que torna a relação delas com bola, bem mais complicada.

Para além de treinar a equipa sénior, está bastante envolvida na formação das mais pequenas no Clube Albergaria. Onde vai buscar essa energia e a motivação?

Tal como outros, também o nosso clube se depara com dificuldades de várias ordens, tendo muitas vezes que recorrer às mesmas pessoas para o desempenho de diferentes funções. Além de ser treinadora da equipa sénior, sou também da equipa feminina de Infantis que compete no Campeonato Distrital só com equipas masculinas e ainda da equipa feminina Sub15 que este ano entrou na primeira competição oficial organizada pela Associação de Futebol de Aveiro - Campeonato Distrital Sub15. Sem falsas modéstias, tenho consciência do papel importante que tenho em todo este processo que é o futebol no Clube de Albergaria. Como deve calcular, são contextos e exigências completamente diferentes a nível de componentes físicas, técnicas, táticas... Há, no entanto, uma coisa que não me permito a mim mesma nestes diferentes contextos - que a minha envolvência em treino seja diferente. E não há um único treino das pequenitas em que antes de entrar em campo eu não pense "tens que dar o teu melhor, quanto mais não seja, porque estas jogadoras de 11 e 12 anos passam a semana à espera deste momento". Esta é e será sempre a minha motivação. Ter possibilidade de contribuir da melhor forma que posso e sei no processo de formação e crescimento enquanto jogadoras e mulheres. Estamos a contribuir para que quando se tornarem adultas possam olhar para trás e se orgulharem de terem tido a possibilidade de praticarem o desporto que queriam e gostavam.

Escusado será dizer que vou ter de lhe perguntar a sua opinião sobre a "introdução" na Liga Allianz dos chamados "clubes grandes". O que mudou? Foi vantajoso ou só trouxe dissabores?

Acho que foi muito feliz na expressão "introdução". Efetivamente esses clubes não passaram pelo processo normal até chegarem à Liga principal. Esta medida estratégica está englobada, entre outras, no Plano de Desenvolvimento Estratégico para o Futebol Feminino promovido pela Federação Portuguesa de Futebol. Na minha opinião mudou desde logo o tipo de competitividade existente. Até então tínhamos um campeonato competitivo para apuramento de campeão, sendo disputado praticamente até à última jornada, e por diferentes equipas. Agora temos um campeonato disputado a dois. Os dois são os clubes onde estão concentradas, em Portugal, as jogadoras com mais qualidade - basta ver a última convocatória para Seleção A. Para essas jogadoras e respetivas equipas técnicas, foi ótimo isto ter acontecido pois finalmente têm condições de trabalho nunca antes existentes no nosso país. E ainda bem! O que poderá trazer de bom para os restantes clubes?! Depende do próximo passo a ser dado pela FPF, pois na minha opinião esta medida só trará algo de bom se for devidamente articulada com outras. A verdade é que os chamados clubes pequenos não têm estrutura para fazer face a estas novas exigências. É incomportável. A grande questão é esta: o que poderão fazer os clubes pequenos para se aproximarem competitivamente dos que agora disputam os títulos?

A resposta para mim vai num só sentido - Profissionalização! Quem tem capacidade para isso? Fazendo a pergunta de outra forma: quem tem capacidade de passar de um orçamento de dezenas de milhares de euros para centenas de milhares?

Todos sabemos que o futebol feminino no nosso país não é autossustentável. Portanto a resposta para mim é óbvia... Conseguirão profissionalizar-se aqueles clubes que na sua gestão corrente trabalham com milhões.

Até lá vamos continuar a ter recordes de assistência em alguns estádios, vamos ter alguns jogos televisionados, vamos ter visibilidade de alguns clubes, vamos ter reconhecimento de algumas jogadoras, mas vamos, também, continuar a ter pouquíssimos jogos com qualidade competitiva e continuarão a lutar pelos títulos aqueles clubes com estrutura profissional.

Respondendo já à sua pergunta seguinte, parece-me óbvio que só com estruturas profissionais e consequentemente condições de trabalho similares, se poderá ter uma liga competitiva.

Vou dar-lhe só um exemplo... grande parte dos clubes treina 3 vezes por semana. É ridiculamente pouco! E se passarmos a treinar 4 vezes, ou mesmo todos os dias?! Assim em primeira análise até parece muito positivo. Aproximamo-nos dos tais grandes, pelo menos, em termos de número de treinos... E o resto? Fazendo uma análise mais profunda, será positivo fazê-lo às 21h, com as jogadoras a chegarem a casa à meia-noite para terem que se levantar às 7 da manhã? E no dia seguinte a mesma coisa, e depois, e depois, e depois... E o tempo para recuperação?!!

Portanto, esta, e outras, são questões de fundo, que terão que ser analisadas, avaliadas e ponderadas para que se possam tomar medidas estruturais compatíveis com a nossa realidade e, principalmente, coerentes com o que se pretende que venha a ser a nossa realidade.

Como caracterizaria a jogadora Portuguesa?

Tecnicamente, caracterizo da mesma maneira que o jogador Português.

Enquanto mulher, e mulher no desporto, acresce a infinita capacidade de superação.

O que é mais gratificante ao ser treinadora de futebol?

Ter noção que contribui com alguma coisa de positivo naquilo que são as ambições de quem comigo está... seja na menina de 8 anos que calça chuteiras pela primeira vez e que jamais esquecerá o primeiro jogo com "árbitro/a a sério", passando pela de 16 anos que treme antes de entrar em campo para fazer os primeiros minutos nas séniores, ou seja ainda por outras que chegaram ao topo, se tornaram internacionais e que representam dignamente o Futebol Feminino e o nosso país. Isto é pelo que vale a pena (eu) ser treinadora.

© 2016 Raparigas da Bola, Portugal

DESIGUALDADE DE GÉNERO NO DESPORTO É EXPOSTANuma semana marcada pelo Dia da Mulher e pelas maiores conquistas portuguesas de sempre no europeu de atletismo, as notícias que se seguiram a estes dias evidenciam a diferença de importância dada à mulher no desporto.

Em geral, é preciso uma mulher ganhar uma medalha para que ela tenha destaque e mesmo quando isso acontece, a visibilidade não é das maiores, como foi visto esta semana.

Ser uma mulher no desporto não é fácil. A falta de visibilidade, a falta de patrocínios e a falta de interesse geram um ciclo que torna complicada a formação de atletas mulheres de ponta.

O grupo Raparigas da Bola luta para quebrar este ciclo, dando voz e visibilidade a atletas femininas, de diferentes modalidades desportivas.

Percebendo-se que no Dia da Mulher há uma tendência para falar sobre mulheres, mas que logo no dia a seguir tudo volta à triste normalidade, o grupo resolveu intervir, usando os próprios jornais desportivos como ponto de partida.

A iniciativa intitulada #ElasTambémJogam, consistiu em transformar todas as notícias publicadas nestes jornais, no dia 9 de março, num gráfico dividido em duas cores: uma para os homens e outra para as mulheres.

Esses gráficos transformaram-se em verdadeiros jornais, mas sem nenhuma foto ou texto, só as cores que evidenciam a diferença de atenção dada às mulheres. Os jornais foram entregues a jornalistas, inluenciadores e atletas para que estes amplificassem o alcance desta ação, ainda no dia 09.

O desejo do grupo não é confrontar os jornais, pelo contrário, é fazer deste um momento de reflexão para que todos se possam unir e dar mais visibilidade às mulheres no desporto, já que elas acreditam que a partir daqui é possível começar a mudar este ciclo de desigualdade. «Mais visibilidade gera mais interesse do público, que desperta interesses de marcas, que gera investimentos e consequentemente volta a gerar visibilidade.» relata Marta Faria, fundadora do Raparigas da Bola.

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